Entrega de dentaduras
em feira livre
O nosso catedrático cientista Pedro Marques é um homem de
atos diferenciados e exorbitantes, principalmente no exercício de sua profissão
que é comparada com o mártir da inconfidência mineira, o memorável Tiradentes.
Quando o Galeno ainda atuava como dentista autodidata e prático, foi capaz de
atitudes que talvez chamássemos de loucura; mas na verdade o diferencia pela
sua excentricidade, sendo o tal portador de uma personalidade pura, cristalina
e sincera. Muitas vezes o que é uma loucura pra uns seja normal para outros. Temos
grandes inventores através da história que foram considerados como loucos como
Leonardo da Vinci, Einstein, Galileu Galilei, Santos Dumont e outros, não é
verdade? Eis a questão! Ser ou não ser diferente! O homem mais sábio de uma
cidade será lembrado da mesma forma que lembraram do mais tolo. Ser diferente
faz a diferença. Então se divirtam com mais essa história do Pedro Marques.
Cidade de Salinas, das Minas Gerais, ano de 1975. Em pleno exercício da
profissão o autodidata começa a propagar seu trabalho dentário. Nesta cidade
tem uma feira tradicional há décadas, por sinal inigualavelmente uma das mais
organizadas e estruturadas. Em seu consultório, o autodidata atendia seus
clientes. Sabemos que para confeccionar uma dentadura primeiramente se tira o “molde”,
e assim ele fazia, anotando na moldura o nome com endereço e dados do cliente.
Durante a semana ele confeccionava todos os aparelhos mastigantes, deixando-as
prontas para a devida entrega. O catedrático ia até os endereços para entregar
em domicilio, e não estava obtendo sucesso. O certo é que não encontrava tais
clientes em suas casas; muitos estavam em sítios, fazendas ou comercializando
seus trabalhos. Os fregueses demoravam buscar suas dentaduras, o que fazia
Pedro ficar agoniado, pois, precisava do dinheiro para pagar despesas do
cotidiano. Então o que fazia nosso cientista? Ia para a feira livre encontrar
seus clientes. Desta forma acontecia naquela tão concorrida feira na praça
central de Salinas. O cientista gritava no meio de outras vozes dos
comerciantes: - Clientes amigos que estiveram no meu consultório à Rua Araçuaí
n° 193, venham pegar suas encomendas, eis aqui neste recipiente mais de
cinqüenta dentaduras. Venham reconhecer a sua justa. Aqui do meu lado estão
vendendo quiabo, cheiro verde, melancia, laranjas, batata doce, mandioca, milho
verde e jaca, além de muito fumo e demais utensílios! E eu aqui estou com as
minhas formosas e risonhas dentaduras, portadoras de dentes límpidos e
maravilhosos, cuidadosamente preparadas para as bocas murchas dos meus
clientes, venham banguelas! De repente começava aproximar os banguelas
clientes. Pedro Marques dizia colocando a dentadura na boca do sujeito: - Essa
não é... Essa não deu... Essa ficou frouxa! Essa é pequena... Essa é grande! O
cidadão colocava quase todas as dentaduras na boca até encontrar a sua, se é
que a encontrava. O que mais surpreendia? Tinha cliente que depois procurava
outro cliente para fazer a troca de dentaduras. Um dizia para outro: - Eu acho
que você está com a minha, e eu estou com a sua! Essa dentadura está muito
frouxa na minha boca! Com o outro dizendo: Essa está muito apertada pra mim!
Confirmado tal erro de entrega era feita ali mesmo a troca, cada um retirando a
dentadura da boca passando pra outro, em plena feira livre sem mesmo passar por
uma assepsia. Era de boca a boca com saliva e tudo, escovada ou não, com ou sem
hálito forte. Ao fim da feira o Galeno autodidata dizia: - Clientela feliz e
dinheiro no meu bolso! Quem não cuida do cliente fica praticamente parado no tempo!
Obrigado fregueses banguelas e futuros clientes de novas dentaduras, pois, os
meus boticões vos esperam para fazer novas extrações de dentes periclitantes!
Venham sofredores de dores e que não dormem com esses dentes vulcânicos que
soltam lavras doentias em crateras mirabolantes e faraônicas! É melhor uma
dentadura como um freio de burro do que gemer a noite inteira igual jegue sem
dono! Só assim eu ganho o pão de cada dia. Calcula-se que só em Salinas o
cientista extraiu cerca de 20 mil dentes em um curto período de tempo. Logo
depois se mudou para a sua amada e idolatrada Jaíba. Quer encomendar sua
dentadura? Tem que fazer inscrição...